A aposta da União Europeia no setor automóvel conduziu o bloco a um “beco sem saída”. Esta é a análise de Carlos Tavares, gestor português que, até recentemente, liderou a Stellantis, um dos maiores conglomerados automóveis do mundo.
Tavares alerta para as profundas consequências sociais e económicas de uma transição mal preparada para os veículos elétricos, sublinhando que cerca de 14 milhões de empregos estão diretamente ligados a este setor, sem contar com os milhões de postos de trabalho indiretos. A crise é visível, com despedimentos em larga escala, como o caso da Volkswagen, que já anunciou milhares de cortes.
“O automóvel é um instrumento essencial de liberdade de mobilidade, que está na base das democracias modernas”, afirmou o gestor, reforçando que a transição para os veículos elétricos “foi extremamente mal planeada pela União Europeia”.
A reação ao escândalo Dieselgate
Segundo Carlos Tavares, o atual cenário de crise no setor automóvel europeu resulta de uma decisão tomada de forma “emocional, imatura e, certamente, pouco estratégica”, em resposta ao escândalo de 2015 sobre as emissões dos veículos diesel da Volkswagen.
Para o gestor, o grande erro foi a imposição de uma única tecnologia – os veículos elétricos – em vez de estabelecer objetivos gerais de sustentabilidade e permitir que a indústria escolhesse os caminhos tecnológicos mais adequados para os atingir.
Esta abordagem rígida e unilateral colocou a Europa numa posição de desvantagem em relação aos Estados Unidos e à China, que têm avançado de forma mais equilibrada e competitiva, ganhando terreno no mercado global.
A dimensão social negligenciada
Tavares critica severamente a ausência de um estudo de impacto antes da implementação das metas de eletrificação. “É caricato que, numa região do mundo que se considera democrática, o Parlamento Europeu não tenha realizado um estudo de impacto antes de tomar uma decisão tão drástica”, lamenta.
As dificuldades são claras. Produzir um veículo elétrico custa cerca de 40% a 50% mais do que produzir um veículo a combustão. Segundo Tavares, os fabricantes só têm duas opções:
Aumentar a produtividade – algo que implica decisões impopulares, como os despedimentos já em curso.
Transferir os custos para o consumidor final – algo impraticável, dado o elevado preço dos veículos elétricos.
Adicionalmente, a procura natural no mercado europeu é baixa, rondando os 10% das vendas. Contudo, os regulamentos exigem que os fabricantes atinjam 20%, sob pena de multas “absolutamente brutais”.
O risco da dependência da China
Carlos Tavares alerta para outro problema: apenas a China consegue produzir veículos elétricos a custos competitivos, devido à sua enorme escala de produção e acesso privilegiado a matérias-primas. Contudo, permitir que os fabricantes chineses dominem o mercado europeu seria um “cenário dramático” para os trabalhadores e para a indústria local.
Um apelo a mudanças progressivas
Para evitar um desastre maior, Tavares defende uma revisão urgente das políticas europeias. Ele sugere uma transição mais progressiva e equilibrada, alinhando as metas ambientais com a realidade do mercado e protegendo os postos de trabalho.
“Esqueceram-se da dimensão social”, afirmou o gestor, sublinhando que a sustentabilidade ambiental só será verdadeiramente eficaz se caminhar lado a lado com a justiça social e económica.
Com uma abordagem mais estratégica e menos dogmática, a União Europeia ainda pode reverter o declínio competitivo da sua indústria automóvel e assegurar que a transição energética beneficie tanto o ambiente como as pessoas.
fonte: CNN Portugal - https://cnnportugal.iol.pt/setor-automovel/automovel/carlos-tavares-diz-que-ue-chegou-a-um-beco-sem-saida-nos-veiculos-eletricos-porque-se-esqueceu-da-dimensao-social/20250127/67980ea2d34e3f0bae99b924